Quando desci lá na garagem para ajudar a descarregar o carro, em vez de dizer oi, minha mãe me disse: a tia Dedé morreu. Meu pai acabara de lhe dar a notícia. A tia Dedé não é minha tia, é tia avó, irmã da vó Cecy, casada com esse avô sobre o qual eu já escrevi um dia. É tia querida, mais de 90, gente sábia, amada e bué conhecida na Ilhabela. Conhecida dessas de aparecer nos livros e dar nomes pra ruas e escolas e ser homenageada no aniversário da cidade.
Eles eram dez irmãos. Sete mulheres e três homens. Os homens morreram todos, eles vivem menos, é assim mesmo. Acho que não aguentam. Sobraram as sete mulheres. A tia Dedé foi a primeira a partir. Aí é que dá tristeza, porque quando parte uma, é comum outas pessoas próximas irem junto.
Ainda mais essas irmãs. Elas são unidas como eu nunca vi. Mesmo agora que todas têm mais de 80 e vivem em várias cidades diferentes, elas sempre conseguem arrumar uma carona, um esquema, uma confusão para se reunirem nos aniversários, casamentos ou outras celebrações. Elas são todas lindas e alegres. Até mesmo as duas que parecem só estar aqui no corpo, pois as cabeças não funcionam mais, continuam lindas e alegres.
Uma dessas cuja cabeça não funciona mais é minha avó Cecy. Ela foi sendo desligada aos poucos por uma doença triste, que faz as pessoas esquecerem de tudo – do tempo, das pessoas distantes, das pessoas próximas, das obrigações, do dia e da noite. Parece que a única coisa de que ela ainda se lembra é que é sempre melhor ser alegre que ser triste. A fração da sua cabeça que continua plugada está sempre sorrindo, faz piada com sua voz que hoje é baixinha, mas que noutros tempos foi famosa por ser espalhafatosa, imagina galas, homenagens, casamentos, nascimento de filhos e outras coisas grandiosas, nunca desgraças e tristezas. Eu acho que isso é uma espécie de sabedoria.
Agora as sete irmãs estarão todas reunidas pela última vez. Amanhã, em Ilhabela. E eu estou com um nó na garganta danado. Pela partida da tia Dedé e pela família dela. Mas, mas principalmente, por estar pensando sem querer a partida da minha avó Cecy. Porque quando uma pessoa assim velhinha parte, acho que automaticamente nossas cabeças simulam a partida das nossas pessoas. Minha avó Cecy mora aqui do meu ladinho, perto mesmo. Eu posso até ir a pé, não dá nem 20 minutos. E eu to para passar lá para uma visita já faz cinco meses. E nunca passo, porque sempre invento para mim mesma que ela não vai se lembrar mesmo. Mas isso não ta certo. Nossa, queria ir lá amanhã.
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01/10/2009 às 1:18 pm |
Uma delicadeza esse seu texto, Ju. Acho que, neste ponto, a gente se parece. Vá ver vó Cecy, sim. O que mais tenho feito ultimamente é ir ver as minhas velhas. Acho que me despeço delas um pouco a cada dia. Beijos
01/10/2009 às 4:45 pm |
obrigada, Hilcélia. Já liguei pra minha tia. Vou ver se passo lá hoje mesmo.
01/10/2009 às 6:15 pm |
que vontade de ver a minha vó, que não vai se lembrar mesmo, ainda hoje.
01/10/2009 às 6:20 pm |
Mas era isso que eu ia dizer: pra que amanha, vai la hoje.
01/10/2009 às 6:35 pm |
Tem razão, Se. Já marquei! To indo jantar lá hj! Depois eu conto como foi
01/10/2009 às 10:15 pm |
Juju, chorei horrores! Muito sensível e de verdade, me matou!
Pra mim, mãe e vó não pessoas, mas sim entidades de luz. Elas nos aguentam e amam até quando a gente caga na maiô. A minha já não tenho e não existe pessoa que eu sinta mais saudade nesse mundo. Vira e mexe fujo da lógica e dou um pulinho lá no mundo dela. Envelhecer é se aproximar da verdade da vida. Morro de inveja!
02/10/2009 às 1:11 am |
Dd, pois é, vc tem razão. É bem isso mesmo. E eu to com bué de saudade de vc, viu?