
Quando saí d’angola foi tudo tão apressado e conturbado que não deu nem tempo de sentir saudade daquilo. Primeiro porque meu coraçãozinho, pobre coitado, estava abarrotado de outras coisas, como perdas enormes, angústias enormes, distâncias enormes, mudanças enormes, dúvidas enormes. Segundo porque fui lá para o outro lado do mundo e era tanta coisa nova que nem dava tempo de sentir falta de nada. As energias ficaram mesmo todas voltadas para eu não me perder para sempre naquele labirinto de línguas, outdoords, placas, pessoas e cardápios ilegíveis.
Pois agora que estou do meu lado do mundo e entendo melhor as línguas, os cardápios e as placas (mas não as pessoas), chegou a hora de sentir esses sentimentos que foram adiados.
Pois. Enquanto eu curto essa saudadezinha, fico aqui relembrando que não é legal ir embora de um lugar ou acabar alguma coisa sem fechar devidamente as portinhas.
A Branquela de Angola comprou umas roupas estampadas confortáveis de ficar linda em casa e de ficar lembrando de Angola, ficou arrumando a mala por umas duas semanas tomando vinho e cantando junto com seu mac e postou infinitos posts sobre esse momento de dizer adeus e se reconciliar com essa cidade maldita e querida.
O Candongueiro comeu aquele monte de abacates para acumular gorduras e até guardava metodicamente os abacates na gaveta do escritório, fez festa lá na minha ex-casa e futura pizzaria, devorou tudo que tinha na dispensa para não deixar nada para pessoas que não mereciam e falou frases bonitas para os amigos no seus últimos instantes da última noite ao ter recém-voltado de uma despedida bem importante.
Eu simplesmente bazei de um dia pra outro. Foda isso. O X. também saiu meio repentinamente da vida de Angola e, pelo que estou entendendo, ele também andou por uns tempos assim meio como eu, um pouco aqui e um pouco lá. O animal oportunista foi outro que despencou para fora do país, expulso pelo sr acaju, e também não fechou as portinhas. Aí ele foi parar lá em Maputo, que pelo menos é igual Luanda, só que tudo mais organizado, então talvez os fechamentos dele também possam ser devidamente elaborados.
Bom, fiz toda essa digressão pra dizer: me deixem ficar revendo minhas fotos, lendo coisas de lá, me deixem falar de angola, falar com as pessoas de angola, repetir os assuntos, me despedir de quem não foi despedido, me deixem, pelo menos por enquanto, ficar um pouco fechada nesse outro mundo fechando as portinhas.
O professor disse que depois de um mês essas coisas passam.