Ontem o céu de Luanda estava rosa, exatamente como o céu de São Paulo. Cidade estranha essa que eu nasci, que não dorme nunca e tem céu cor de rosa, não negro. Aqui do outro lado do mar caíram pesadas gotas do céu rosa e os passos das pessoas inebriadas dançaram sensuais e molhados numa esplanada do Alvalade.
A chuva.
A chuva tem cheiro bom.
A chuva quando vem forte me lembra da minha casa da infância. Ela vinha e levava a energia embora e aí o grande acontecimento da noite era a família reunida em torno do acender do lampião que ficava guardado no alto da dispensa e desse jeito de andar devagar com a vela equilibrada no castiçal improvisado para não apagar o fogo. Íamos dormir mais cedo e mais felizes.
No deserto do Namibe, onde eu estava ontem, a chuva quase não vem. Lá a chuva é a areia, que também cai do céu também e deixa tudo monocromaticamente amarelado: os sorrisos, os telhados, as casas, as ruas, as frutas, as folhas das árvores, o peixe, até o próprio céu. O amarelo só acaba quando começa o azul das águas imensas e geladas do mar. O amarelo, o azul e o silêncio.
No deserto os olhos podem repousar e as ideias podem momentaneamente decantar entre um céu rosa e outro. Entre uma etapa e outra. Entre um e outro lado do mar. É, eu to com saudade de casa.