o mar que morre devagar

09/12/2011

 

Quem anda pela praia não vê mais concha. Quem vai pra Castelhanos encontra a praia cheia de lixo trazida pelo mar. Quem conversa com os pescadores escuta a reclamação de que não tem mais peixe no canal. Quem mergulha na praia do Julião vê que os corais estão doentes.
Nós deitamos nossos corpos saudáveis na areia cheia de cocô. Nadamos no mar em frente da placa vermelha denunciando “imprópria”. Pulamos um córrego que carrega esgoto como se ele não estivesse aí. Fingimos que está tudo bem. Afinal, queremos aproveitar nosso fim de semana, pois na segunda tudo recomeça. Não queremos enxergar que estamos matando, cada dia um pouco, o nosso mar.
Fantasiamos que o mar pode absorver todo o nosso lixo, o nosso descarte, o nosso descaso. Mas ele anda dizendo pra gente que não é bem assim. E a gente não tá escutando.

 

Está em andamento um projeto do governo do Estado São Paulo para ampliar o porto de São Sebastião, no litoral de São Paulo, e transformá-lo num movimentado terminal de navios de carga (leia mais aqui). Definitivamente, isso não está certo.

Novo léxico familiar

19/03/2011

Caros amigos,

é com imenso prazer que vos apresento o maravilhoso léxico de palavras, expressões e perguntas de uma família que, desde o dia 25 de janeiro, luta para não perder a sanidade. Infelizmente, alguns já tombaram pelo caminho.

escaras
cuidador
órtese para pé equino
comprou uripen?
com ou sem micropore?
sertralina
estado de tetraplegia
mas tem alguma referência do hospital?
agora de manha não tem vaga, ela vai ligar as 13h pra saber se tem

optamos nesse momento pela opção de 12 horas, pois o Zé ainda está demandando muitos cuidados.
impulsos elétricos
por que as pernas recuperam-se mais rápido que os braços?
home care
tamarine sempre antes do almoço
qual a diferença entre fisioterapia e terapia ocupacional?
hemorroidas
colar ortopédico com ou sem espuma?
aquele andador que você nos emprestou não serve agora, porque ele só trava as rodas acionando o freio
sinvastatina
compraria se a receita não fosse controlada
neurocirurgião
dor
andador
ardor
lisador
precisa de mais uma caixa de luvas cirúrgicas
o braço esquerdo pesado é resultado da ausência de movimento ou de algum fenômeno neurológico?
edema
o assento para cadeira de rodas é com ou sem termogel?
há algum comprometimento em áreas relativas à cognição?
esfincter
fora isso, temos que combinar quem vai acordar as 5h da manhã pra ficar no lugar da Neli até a enfermeira chegar as 8h
a cicatrização medula é que demora
tem a gino ou a rimed
mas o seguro não deveria cobrir esse exame?
clinica de reabilitação
qual é a definição de “fase aguda” nesse caso?
ambulância
atende
não atende

Alô?

Ooooi, tudo bem. Obrigada por ligar. Sim, estamos indo bem. Muito bem. Cada dia melhores. Claro, é uma recuperação lenta, mas estamos confiantes. Obrigada por ligar. Um beeeeijo.

Alô? Alôôôôôôô?

Tu-tu-tu-tu-tu-tu

Desrepresou

18/12/2010

Quando os planos, subitamente, viraram outros, não por que eu quis, mas pelo silêncio das pessoas outras que quiseram, eu tratei logo de rearranjar os planos, de renegociar, de repensar, de reentender o aquela mudança imposta pelo silêncio continha de bom. Não foi exatamente simples, muito menos indolor. Afinal, eram planos antigos aqueles, grandes, consumiram minha energia mais profunda. Eles continuam planejados, só seguiram um outro caminho, mas ainda estão na direção esperada e é isso que importa.

Quando uma ligação telefônica me chamou para resolver um problema irresolvível e que não me pertence, eu imediatamente paguei a conta, entrei num táxi, compartilhei a responsabilidade e fui de encontro ao problema, sem me dar conta naquele momento de que ele não me pertencia. Isso eu só entendi depois que o furacão passou e que meu cérebro voltou a funcionar. Minha presença ali naquele triste e decadente palco, de gente dependente das suas próprias loucuras, não era absolutamente necessária. Nem eu queria estar lá.

Quando, todos os dias, eu atendo o telefone para ouvir uma enxurrada de problemas que também não me pertencem e também não me interessam porque, de início, não sou conivente com suas origens, eu escuto, escuto, escuto e finjo para mim mesma que eles não me tocam. Depois desligo e continuo meu dia.

Quando eu faço um convite sincero para um almoço com objetivo de tentar fazer com que coisas que me machucam não me machuquem mais e, mais uma vez, recebo a réplica naquele tom agressivo que faz mais mal a quem o profere do que a quem o ouve, eu abro a porta e digo tchau.

Quando, no táxi que me leva de volta para casa pelo dia branco e denso da marginal, eu entendo que naquele avião já não havia lugar para mim, as lágrimas de todos os outros quandos não chorados descem todas juntas, fortes, incontroláveis. É, acho que andei me esquecendo (de novo) de que não sou uma super mulher.

Ainda bem que já está na hora de desfrutar dos meus 30 dias de merecidas férias, longe de todos esses quandos, perto de todas as surpresas que o acaso gosta de aprontar com a gente!

Tchau, até o ano que vem!

Quando o inesperado vira esperado

17/12/2010

Bem que aquele horóscopo fajuto que eu insisto em ler todos os dias já havia me avisado: abra-se por inteiro para o inesperado e tenha a grata surpresa de perceber como a vida tem caminhos indiretos que o levam a horizontes melhores.

Pois.

Acho que a parte de “abrir-me por inteiro para o inesperado” eu estou fazendo agora. O inesperado vai ficando esperado e o combinado que foi descombinado vai sendo absorvido aos poucos.

Agora vamos ver o que rola com a parte da “grata surpresa”. To curiosa. E animada. E merecendo essas férias de 30 dias com malas enormes cheias de coisas de lugares frios.

O céu rosa, a chuva e o deserto

10/10/2010

Ontem o céu de Luanda estava rosa, exatamente como o céu de São Paulo. Cidade estranha essa que eu nasci, que não dorme nunca e tem céu cor de rosa, não negro. Aqui do outro lado do mar caíram pesadas gotas do céu rosa e os passos das pessoas inebriadas dançaram sensuais e molhados numa esplanada do Alvalade.

A chuva.

A chuva tem cheiro bom.

A chuva quando vem forte me lembra da minha casa da infância. Ela vinha e levava a energia embora e aí o grande acontecimento da noite era a família reunida em torno do acender do lampião que ficava guardado no alto da dispensa e desse jeito de andar devagar com a vela equilibrada no castiçal improvisado para não apagar o fogo. Íamos dormir mais cedo e mais felizes.

No deserto do Namibe, onde eu estava ontem, a chuva quase não vem. Lá a chuva é a areia, que também cai do céu também e deixa tudo monocromaticamente amarelado: os sorrisos, os telhados, as casas, as ruas, as frutas, as folhas das árvores, o peixe, até o próprio céu. O amarelo só acaba quando começa o azul das águas imensas e geladas do mar. O amarelo, o azul e o silêncio.

No deserto os olhos podem repousar e as ideias podem momentaneamente decantar entre um céu rosa e outro. Entre uma etapa e outra. Entre um e outro lado do mar. É, eu to com saudade de casa.

Ilha de Luanda

05/10/2010

Um mês e meio em Luanda sem fazer nada já cansa. Como a amiga dos olhos azuis diz, aqui, se você não sabe para onde ir, caminhe para algum lugar, porque se ficar parado é atropelado. Pela zungueira, por um chinês, por uma grua, pelo trator, pela mota, pela cratera, pelo tempo, pelas diligências, pelo barulho, pela festa.

Um mês e meio em Luanda a filmar, a pensar, a negociar, a produzir, a resolver makas, a se envolver, a se locomover e a pensar sobre Luanda é uma delícia, mas cansa bué.

Mas aí quando tudo acaba e as três pessoas com quem você conviveu ininterruptamente subitamente de desmaterializam dá um vazio esquisito. Mas daqui a pouco tudo estará de volta aos seus deslugares. Vamos voltar a falar de esmaltes, ração da gata, reforma da casa.

A partir do dia 15 estaremos de volta à Ilha de Luanda, lá na Vergueiro, do lado do Metrô Ana Rosa, em São Paulo, a editar a Luanda que ficou aprisionada nas nossas câmeras.

Entre uma Luanda e outra, vou em busca do silêncio no deserto do Namibe. Tchau.

Reação em cadeia

26/09/2010

Juliana me lembra montanha russa.

Montanha russa me lembra roda gigante.

Roda gigante me lembra a ilha de Luanda.

Ilha de Luanda me lembra peixe.

Peixe me lembra próxima encarnação.

Próxima encarnação me lembra viajar.

Viajar me lembra viver.

Viver me lembra ação.

Ação me lembra intuição.

Intuição me lembra mudar de ideia.

Mudar de ideia me lembra adaptação.

Adaptação me lembra desadaptação.

Desadaptação me lembra viver.

Viver me lembra acelerador de emoções.

Acelerador de emoções me lembra o sol.

O sol me lembra Juliana.

Juliana me lembra Luanda.

Luanda me lembra morar.

Morar me lembra ficar.

Ficar me lembra montanha russa.

Montanha russa me lembra desadaptação.

Desadaptação me lembra impulso.

Impulso me lembra coração.

Coração me lembra amor.

Amor me lembra acreditar.

Acreditar no amor eu já não me lembro o que é.

30 dias, 30 anos

23/09/2010

30 dias completamente imersa num mundo ao mesmo tempo familiar e inexplicável. Quanto mais eu tento explicar, menos eu consigo entender. Quanto menos eu tento entender, mais eu gosto. A ideia nunca foi explicar mesmo. Foi falar sobre. E falar não é explicar. Falar sobre às vezes é só mostrar. Nem sempre as palavras são necessárias. Ou suficientes. É por isso que a arte e o silêncio existem.

Nesses 30 dias de quase 30 anos tenho procurado ouvir mais do que falar, conforme me aconselharam. Também tenho tentando estar o mais aberta possível ao acaso e ao que as pessoas têm a oferecer. E tenho feito malabarismos para equilibrar tantos sentimentos, personalidades, vontades e expectativas que me bombardeiam de todos os lados. Quanto mais cerebral, mais distante fico da minha busca. Quanto mais pretensão, menos conteúdo.

Se colocar na frente de uma pessoa com uma câmera ligada e, por uma, duas ou três horas, tentar entender um pouco do seu universo particular é uma experiência tão enriquecedora quanto extenuante. Cada pedaço de vida, cada pedaço de sonho, cada questionamento, descrédito e ou sentimento que as pessoas arremessam em mim me alimentam e ao mesmo tempo me consomem. No fundo o que eu quero é entender um pouco mais sobre mim.

To cansada. Exausta. Ao fim desses dias, certamente não entenderei mais sobre Luanda. Terei uma colcha de retalhos completamente subjetiva, íntima, pessoal sobre pessoas que ocupam um mesmo espaço geográfico, um espaço em que as emoções são catapultadas e obrigadas a circular mais intensamente. Faço o meu melhor, da forma mais sincera e feminina possível. É tudo o que eu tenho a oferecer.

É isso

19/09/2010

A realidade é muito mais importante do que a ficção.

E muito mais subjetiva.

o grito

17/09/2010

Outro dia sonhei que era uma mochila, acordei chorando e senti saudade do que está por vir. No hotel globo, minha nova provisória casa, na rua rainha ginga, número 100, baixa de luanda, tudo está tão fora do lugar que de repente tudo se encaixou. E fez-se a paz dentro do caos. Não dá para explicar nem pra entender. O Mia Couto tem mesmo razão: a vida a gente só sucede quando a gente não entende.